Seis anos após seu último lançamento, novo álbum tem participações de Amaro Freitas, Rashid e Projota e ganha as ruas com clipe em animação
"Um dos grandes escritores da América Latina, Julio Cortázar descrevia a si próprio como alguém que havia passado por três etapas; a primeira era estética, marcada pelo desejo de sua geração em Buenos Aires de fazer uma literatura muitas vezes marcada pela perseguição a um ideal de perfeição estilística. Coisa de jovem. A segunda era metafísica, em que a obsessão pela forma deu lugar a um compromisso com a essência das coisas. Ontologicamente falando, a busca pelo ser e pela razão de ser. Me identifico com essa categorização e acredito que, por exemplo, ‘AmarElo’ (2019) foi, assim como ‘O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui’ (2013) e ‘Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa' (2015), o marcador de uma fase metafísica. Minha fase estética abrigou a época dos freestyles, das primeiras mixtapes e dos EPs, além da minha formação em design e meu mergulho nas histórias em quadrinhos. A linguagem foi sendo aprimorada ao longo do caminho. A última fase é esta em que acredito estar entrando agora; a histórica, em que me compreendo como a parte mais recente de grandes movimentos imaginativos produzidos por nóiz enquanto povo ao longo de toda a história desse pedaço de chão que hoje chamamos de Brasil.”
Emicida, novembro de 2025.
Tantos superlativos envolvem o fato de que Emicida está de volta à arena, seis anos após o sucesso de seu último lançamento, com um disco de canções inéditas, debruçando-se na obra dos Racionais MCs, que a pergunta mais óbvia _ o porquê _ talvez seja a que menos responde sobre o álbum que agora se materializa. Sim, sem dúvida, poucos músicos ousariam (e dariam conta de fazer) este movimento. Mas essa é, claro, também uma jornada que parte da intenção de homenagear o grupo que durante toda a vida o inspirou. Se Mano Brown diz que sua vida foi salva pelo grupo Public Enemy, foi o Racionais quem salvou Emicida. Que então tomou para si a missão da pergunta: qual o tamanho do obrigado a dar a seus mestres?
A magia mora neste caminho. Acompanhado do clipe de “Quanto vale o show memo?", já no YouTube - com direção de Pedro Conti e Diego Maia e roteiro da dupla com Emicida -, o disco “Emicida Racional VL 2 - Mesmas Cores & Mesmos Valores”, que chega às plataformas de streaming, mira em “Cores & Valores", disco de 2014 dos Racionais MCs. Mas foi voltando na linha do tempo da própria obra que o rapper do Cachoeira, zona norte de São Paulo, encontrou essa direção. Em 2009, na intro da mixtape que o apresentou ao Brasil para além das batalhas de rima, entoava o mantra “Quando os caminhos se confundem, é necessário voltar ao começo”. Nunca fez tanto sentido.
Para além de tornar o seu olhar protagonista desta história de reverência, o que Emicida quer é propor, convidar também os seus ouvintes a exercitar a própria perspectiva mergulhando em obras que lhes foram transformadoras como foi a de Racionais para ele.
Quando desdobra “se não gostar de nóiz, tanto faz, tanto fez, me degradar pra agradar vocês? Nunca!”, de “Cores & Valores” (2014), “Emicida Racional VL 2 - Mesmas Cores & Mesmos Valores” incorpora numa noite escura “independente de qualquer fita, nóiz somos o que somos”. São 10 faixas que se conectam pela convicção do dom, da habilidade para usar a palavra. É ela quem brilha, numa costura meticulosa, artesanal e analógica de frases, para desafiar qualquer IA e conduzir ao topo a música rap. Acima de tudo. Em suas várias possibilidades, em sua melhor forma. Técnica, estética, segura o bastante para se mostrar vulnerável. Despedindo-se da ideia de que é preciso revisitar traumas de tempos de escassez e sofrimento para transformar lembranças em música. Daquele período ficam a inquietação, a curiosidade, a teimosia em desafiar a si mesmo quando o que faz brilhar o olho é colocar em perspectiva a presença no cotidiano, a própria caminhada. Em casa, em meio às plantas, aos livros, à família. Como uma provocação da vida: “E agora, como você se garante?”.
Os sons da natureza, companheira diária na gestação do disco, que transbordam para as faixas, os parceiros antigos, como DJ Nyack, as várias gerações da sua família, das filhas à mãe, Dona Jacira, o começo do começo. “Bom dia né gente? (ou saudade em modo maior)”. A força da vida. “E aí, campeão, quando você volta?", ela pergunta.
“Mesmas Cores & Mesmos Valores” parece responder: “Romário ca onze, tema fartura, Instagram pra quem tem pose, a rua pra quem tem postura”. Um respiro. Com Amaro Freitas ao piano, começam a chegar as pistas de que sempre houve e haverá muito de Racionais em Emicida, e este é só um capítulo. É conselho de mãe, mas também poderia ser sobre a periferia, protagonista e subestimada, o Brasil de 2025: “põe umas coisas pra fortalecer a terra, Leandro. Deixa as daninhas lá por enquanto porque com esse calor a daninha protege a terra”. Você pediu Emicida do Velho Testamento? Chegou “Finado Neguim memo?”: “Olha meu currículo, bico, num cabe rótulo, saca? Rapper, vírgula, tenta o cúmulo do cúmulo”.
É sobre começo, lembra? De volta a 2007, se juntar a Rashid e Projota, parceiros de batalha de rima, para ver Racionais na praça da Sé. O final que todo mundo conhece pela perspectiva de três jovens fãs: “A mema praça".
E Dona Jacira já tinha avisado que uma hora ia amanhecer: “A gente num é gente de frio, a gente é gente de lugar tropical. Quando eu chego num ambiente que tem sol, basta eu ficar no sol, melhora. Eu vou caprichar no sonho aqui”. Em “Quanto vale o show memo”, cai a ficha do aprendizado: "melhor ser um guerreiro no jardim do que um jardineiro na guerra”.
Nas entrelinhas de “Us memo preto zica” o sol chega a “Emicida Racional VL 2 - Mesmas Cores & Mesmos Valores” através da voz das crianças. “Agora, daqui a gente só pode ir pra frente, vocês cresceram…” Sair da grande noite. Amanheceu. 11 de dezembro de 2025. “Emicida Racional VL 2 - Mesmas Cores & Mesmos Valores”, uma homenagem aos Racionais MCs a partir de seu último disco, “Cores & Valores”. Deu certo o sonho.
O disco “Emicida Racional VL 2 - Mesmas Cores & Mesmos Valores" ganha as ruas pela Altafonte, com edição da BOA Música.
TRACK LIST
1 - Bom dia né gente? (ou saudade em modo maior)
2 - Mesmas Cores & Mesmos Valores
3 - O que nóiz faz com essa dor?
4 - Finado Neguim memo?
5 - A coisa mais esperançosa e mais dilacerante são a mesma
6 - A mema praça
7 - Quanto vale o show memo?
8 - Compreender tudo, é perdoar tudo
9 - Us memo preto zica
10 - (outro) A próxima mensagem que você precisa está exatamente onde você está agora
Fotos: Divulgação
Fonte: Assessoria de Imprensa

